Discurso de Albert Camus

Cada geração se sente, sem dúvida, condenada a reformar o mundo. No entanto, a minha sabe que não o reformará. Mas a sua tarefa é talvez ainda maior. Ela consiste em impedir que o mundo se desfaça. Herdeira de uma história corrupta onde se mesclam revoluções decaídas, tecnologias enlouquecidas, deuses mortos e ideologias esgotadas, onde poderes medíocres podem hoje a tudo destruir, mas não sabem mais convencer, onde a inteligência se rebaixou para servir ao ódio e à opressão, esta geração tem o débito, com ela mesma e com as gerações próximas, de restabelecer, a partir de suas próprias negações, um pouco daquilo que faz a dignidade de viver e de morrer. Ante um mundo ameaçado pela desintegração, onde nossos grandes inquisidores tentam estabelecer definitivamente o reinado da morte, ela sabe que deve, numa espécie de corrida maluca contra o relógio, restaurar entre as nações uma paz (que não é aquela da servidão), conciliar novamente o trabalho e a cultura, e recriar entre todos os homens uma Arca da Aliança. Não há garantias de que ela possa cumprir essa tarefa imensa, mas é certo de que, em qualquer lugar do mundo, ela já tem o desafio duplo da verdade e da liberdade, e, ocasionalmente, sabe morrer por ele sem ódio. É ela que merece ser saudada e encorajada onde quer que se encontre, sobretudo lá onde ela se sacrifica. De qualquer forma, é a ela que, seguro de vosso acordo profundo, gostaria de transferir essa honra que ora me tendes outorgado.

Preparando o texto do vindeiro sábado, atopei este anaco do discurso pronunciado por Albert Camus en Estocolmo o 10 de decembro de 1957 de agradecemento á Academia Sueca por terlle outorgado o Premio Nobel de literatura. A verdade é que semella escrito onte mesmo. Eis a lucidez prospectiva que só teñen os máis grandes. Un discurso que nos interpela no momento de triste incerteza no que vivimos. 

A tradución é de Yuri Vieira, á que cheguei vía Alesandro Martíns.

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